PRA FALAR DOS JOÃOS
Esse nome sempre me chamou a atenção, gosto de nomes curtos e João com só uma letra consoante, consegue ter uma força incrível. É um nome muito masculino e adorei quando conheci a cantora portuguesa Maria João e vi que João, também podia ser usado no feminino. O João que mais chapou a minha cabeça foi o Gilberto, aquela voz e aquele violão povoaram a minha infância musical. Por vias tortas acabei conhecendo o João Batista, nas aulas de catecismo. Confesso que na minha cabeça de criança, aquele profeta barbudo e cabeludo, enrolado na pele de um animal era muito interessante. E o cara não era fraco, não. Além de batizar o Messias, o João Batista ficava berrando umas verdades na porta do palácio e acabou irritando o Herodias, que não tava de bobeira e armou um jeito do marido dela mandar decapitar o João Batista. E tudo pra satisfazer os desejos de uma bailarina gostosona, chamada Salomé. Só sei que o bagulho foi tão sinistro que a Salomé ficou famosona e séculos depois virou, até peça do Oscar Wilde. Na peça Salomé recebe a cabeça de João Batista numa bandeja e fala: Teu beijo Yocanaã tem gosto de sangue. Não sei porque, mas essas coisas povoavam a minha cabeça de menino negro, gay, nascido na favela. Teve o D. João VI que veio para o Brasil fugindo do Napoleão e nós estamos pagando essa visita até hoje.
Márcio Januário & Márcio Rufino
São tantos Joãos anônimos, Joãos bobos, Joãos ninguéns encalacrados na luta pela sobrevivência do dia a dia, que muitos Joãos acabam ficando invisíveis nas suas existências. Ainda mais se esses Joãos forem negros, homossexuais e inconformados. E foi com esses Joãos que me deparei ao receber o convite do cineasta Clementino Junior para dar vida, nas telas a um João, que por si só já é uma entidade, o Babalorixá Joãosinho da Goméia. Aceitei querendo ser João, só que outros Joãos surgiram, outros prismas, corpos, olhares, personagens e atores. O projeto cresceu e o filme "O Chão de João", se transformou no encontro de quatro Joãos, o João Francisco dos Santos ficou famoso como Madame Satã, o João do Rio dissecou a alma encantadora das ruas da cidade em textos ferinos e o outro Joãozinho Trinta mudou a história do carnaval carioca. O que esses Joãos têm em comum? São negros, pobres, inconformados e não podem ser esquecidos. Sim, existem loucos que insistem em fazer filmes no Brasil. E como diria o cineasta, André Sandino: Nós estamos fazendo cinema com os recursos da Sifudência Produções Artísticas.
Vanderley Gomes
E eu digo que além disso e apesar de tudo, que somos nós que temos que dar vida e voz a esses personagens. Por que? Porque sim.
Aguarde, em breve numa sala perto de você ou no seu celular.
Hugo Germano, Márcio Januário & Márcio Rufino
Fotografia by Paulo Cesar
Márcio Januário
Cia Completa Mente Solta
+55 73 999093119