COTIDIANO

COTIDIANO

qua, 11/11/2020 - 21:44
0 comments
COTIDIANO

COTIDIANO

O ano de 2020 nos mostra um mundo novo. Um mundo mais cheio de dentro, que de fora. Uma nova perspectiva. Uma poesia mais pelo reverso, que pelo verso. Chegou, como quem chega um desconhecido familiar sem cerimônia, já puxando a cadeira para sentar-se e que nos atravessa. De repente, nossas casas transformaram-se em ruas, bairros, cidades, nosso mundo; uma espécie de metáfora real. Nós, o único horizonte possível. Como uma viagem às avessas, ficar era o ponto de partida. Em pleno curso e com roteiro improvisado, esta viagem exige coragem e passaporte especial. Nesta viagem, passageiro e destino se (con)fundem. Somos nós, entre chegadas e partidas de nós mesmos, chamados a traçarmos o melhor caminho para  nossas casas, nossos templos, nossos corpos. Uma viagem ao centro de nós mesmos. Sendo passageiro e destino precisamos pilotar cada manobra, cada embarque e desembarque atentos com a tripulação, recalcular rotas entre atalhos e retalhos. Conhecimentos cartesianos de um coração que pulsa avistando algo pela primeira vez ou redescobrindo o que sempre esteve ali. É sobre o extraordinário passeio pelo cotidiano. Da construção de grandezas a partir de miudezas diárias. Dos sentimentos coados por uma intimidade que agora se revela globalmente. Do espetáculo e imperceptível gesto, quase irrisório e despretensioso, de abrirmos as janelas. Dos corriqueiros e ínfimos goles de ar que nos mantém vivos e que sopra como brisa pelo dia e que nos engrandece. Oceanos e mares deram lugares aos cantinhos quase esquecidos, por onde devemos navegar. O porto bate à porta e é preciso ancorar para o mundo novo conquistar. Novo mundo à vista!

É esta a inspiração para Cotidiano, uma poesia para estes dias.

COTIDIANO

 

Hoje quero saber

das coisas pequenas

das mais ínfimas partes da casa

do canto esquecido

dos irrisórios detalhes

do entalhe.

Do irrelevante

Instante. Estante de

poeirinha do vento

que não sopra mais. Parou.

Do papel anotado e

já dobrado e

que nem pro bolso foi carregado.

Lavado. Sem cheiro, sem sabor.

Sem rastro, nada de astros.

Dos átomos.

Dos minúsculos, das moléculas

inalcançáveis formas de ser, hoje.

Do que já foi queimado. Sem perfume

nem cardume, água que desce do cume.

Do amarelado. Do cortado. Do quebrado.

Miudeza espalhada

pelo piso que me descalça

pela terra que dança

eu, você ou criança

indiferente. Semente invisível

que brota sem aparência

sem cadência, sem chama

inflama e arde e

que nesta cotidiana tarde

me chama.

Luh Torres

@instantedapalavra