MC NÃO É BANDIDO

MC NÃO É BANDIDO

qua, 21/10/2020 - 17:35
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MC Poze do Rodo

 

O vídeo da música “MC não é bandido”, do MC Poze do Rodo, foi lançado no dia 16 de outubro e não precisou de uma semana para alcançar mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. Mais uma marca que confirma a boa fase da carreira do funkeiro carioca, que lançou vários hits em 2019. Mas não é sobre o sucesso musical que eu quero falar. 

Em julho, Poze foi alvo de um mandado de prisão. No documento, o Ministério Público acusa o MC de associação ao tráfico. Especificamente, por ter se apresentando em um baile funk na favela do Jacarezinho. Coincidentemente, o
lugar onde cresci. Mas este não é um texto sobre minha vida.

Poze não chegou a ser preso. Ele foi considerado foragido por alguns dias, mas sua defesa conseguiu que a Justiça voltasse atrás. A juíza que revogou o pedido de prisão, ao justificar a decisão, argumentou que o cantor tem residência fixa e atividade de trabalho lícita, de modo que ele poderá responder o processo em liberdade.

A afirmação (ou negação) que dá nome à música “MC não é bandido” representa o Poze usando seu talento para se defender e transmitir uma ideia que é evidente para qualquer morador de favela, mas também precisa se infiltrar no asfalto. O funk carioca, desde as primeiras batidas, não faz outra coisa senão narrar a realidade dos morros. Seja para exaltar as virtudes ou para registrar o cotidiano de violência. É o que o Poze faz.

Iria a justiça processar a autora Glória Perez por apologia ao crime ao narrar asatividades de facções na novela “Força do Querer”, que está sendo reprisada na TV Globo? Ao representar a personagem “Bibi Perigosa”, a atriz Juliana Paes seria alvo de um inquérito por apologia?

Outro caso é o do DJ Rennan da Penha, criador do baile da Gaiola, na Vila Cruzeiro.Ano passado ele recebeu os troféus de “melhor canção” e “melhor produtor” do Prêmio Multishow. O anúncio saiu enquanto ele estava preso também

De acordo com os investigadores, Rennan teria agido com informante do tráfico já que, além de moradores comuns, os grupos teriam criminosos. Tudo isso me parece um profundo desconhecimento sobre a realidade das favelas. Hoje em dia, qualquer um tem acesso aos grandes grupos de moradores, que são usadas para divulgar todo tipo de serviços e notícias do que acontece na região. Quase toda comunidade tem grupos assim. E a chegada de policiais é, sim, avisada nos grupos como uma forma de evitar que os moradores sejam vítimas de balas perdidas, como ocorre com frequência.

À época da prisão foram divulgados em programas de TV vídeos em que Rennan aparecia entrando na Vila Cruzeiro e cumprimentando traficantes. Uma maneira de associá-lo ao tráfico. Vou contar uma coisa para vocês: quem vive na favela convive com traficantes. Não é uma escolha. Muitos deles saem do seio de nossas famílias,são amigos criados conosco. Infelizmente, o varejo das drogas está mais disposto a empregá-los, negros e favelados, do que grandes corporações e certos bancos pseudo populares por aí. E cumprimentá-los é crime?

O próprio noticiário mostra que o crime organizado tem mecanismos de monitoramento de suas regiões mais sofisticados do que mensagens em grupos de moradores, inclusive, eventualmente, pagando propina a agentes do estado.

Mas por que MCs e DJs continuam a ser perseguidos? Tenho o sentimento que, para as forças do Estado, processar e coibir funkeiros é uma maneira midiática de mostrar que estão combatendo o tráfico de drogas nas favelas, mas, no fim, só estão tentando ceifar a liberdade de jovens e reprimindo a expressão cultural da favela.

Quando sufocam os artistas, também estão asfixiando o lazer do favelado, se considerar que os bailes funks são produzidos e promovidos por eles, e representam um dos poucos eventos musicais e de diversão cujas pessoas dessas áreas têm acesso. São inúmeros os exemplos de casos questionáveis. Recentemente, o DJ Rennan da Penha e o Poze. Antes, MC Smith e MC Tikão e inúmeros outros funkeiros.

Essa repressão é mais uma face do racismo estrutural que nos acomete. Não basta, suprimir oportunidades, educação, saúde, querem acabar com a alegria da favela.Mas não vão conseguir. Peço licença ao funk, que tanto gosto, para concluir com as letras de Lazzo imortalizadas na voz de Margareth Menezes: “Apesar de tanto não. Tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade. Apesar de tanto não,tanta marginalidade, somos nós a alegria da cidade”.